Desde que me deparei com a inquietação sobre o que financia o meu dinheiro investido nos Fundos de Investimento a que tinha acesso e passei a pesquisar por alternativas economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente corretas, nunca recebi uma resposta satisfatória. Fiz um pedido que para mim parecia bem simplório. Como poderia saber de quais empresas eram as ações que compunham os fundos nos quais meu dinheiro estava aplicado? A resposta era simples, bastava procurar no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Não me agradou saber que quem ofertava um produto financeiro não podia responder essa pergunta com prontidão. Afinal, não seria óbvio que se eu estou investindo em fundos de ações, eu tenho interesse em saber em quais ações estou investindo? Parecia que não...
Mas se o procedimento era olhar o site da CVM, lá fui eu. Mas grande foi a frustração quando me deparei com a seguinte mensagem:
Caso vocês se perguntem, cliquei sobre os ativos, mas não consegui nenhuma informação adicional. Também testei a busca com vários fundos, muitos deles ASG, e a mesma mensagem apareceu.
Fiz o mesmo teste com diferentes fundos, e percebi que alguns disponibilizam os ativos que compõem a sua carteira e outros não. Há ainda aqueles que disponibilizam apenas uma parte dos ativos nos quais o dinheiro está investido.
Depois descobri os comparadores de fundos, como o comparadordeativos.com.br e o maisretorno.com, que disponibilizam os ativos que compõem as carteiras dos fundos e tem sido uma ótima solução para essa minha inquietação. Certamente esses sites são alimentados com informações do sistema da CVM, mas se eles têm algum acesso restrito que viabiliza identificar mais informações, eu não sei. Provavelmente não, porque não faria sentido a CVM omitir informações do público em geral e um site público disponibilizar essas mesmas informações.
Desde que soube que a informação sobre a carteira dos fundos de investimento em geral, e dos fundos ASG em específico, nem sempre era pública, passei desconfiar do poder transformador desse tipo de investimento. Afinal, sem essa informação, não é possível para o investidor saber em quem está investindo, e por consequência ele não tem como julgar se os seus investimentos estão de acordo com o que ele acredita.
É claro, o investidor pode investir diretamente nas ações das empresas com as quais se identifica ou até se aventurar em modalidades mais complexas de investimento, mas será que para poder unir retorno financeiro e valores é necessário se especializar no mundo financeiro? Não é possível simplesmente olhar a composição da carteira do fundo que lhe é oferecido e dizer: essa me agrada, essa não me agrada?
A esse fato soma-se que os fundos de investimento são uma das modalidades mais acessíveis aos investidores. Entrar no mundo dos investimentos de forma consistente requer informação, experiência e um pouco de intuição sobre para onde o mercado aponta, e as pessoas comuns nem sempre tem como desenvolver todas essas habilidades pois tem outras prioridades. Mas isso não significa que não tenham preferências sobre empresas, setores do mercado nos quais preferem investir e restrições sobre setores e empresas que se sabe que causam prejuízos sociais e ambientais.
Ah, mas se o fundo é ASG, ele nunca investirá nesses setores e empresas com informações públicas sobre seus prejuízos sociais e ambientais! Nem isso podemos afirmar! Isso porque existe um discurso de que mais do que excluir determinadas empresas e setores dos fundos, busca-se intervir nessas empresas para que elas mudem suas práticas. Mas como isso será feito? E se o investidor não concordar com essa estratégia? Como ele poderá questionar a gestão do fundo ou até mesmo resgatar seu dinheiro tendo em vista a discordância com a estratégia ASG do fundo?
O que mais chama atenção é que no capitalismo existe um desejo enorme pela liberdade do mercado. Mas que liberdade é essa que priva os investidores, ao menos os pequenos, das informações que lhes dariam autonomia para decidir que tipo de destino quer dar ao seu dinheiro? Como a própria moda ASG vem demostrando, apenas indicadores de retorno financeiro não são suficientes para avaliar a qualidade de um investimento, mas somente essas informações são disponibilizadas nas lâminas dos fundos. Não ter as informações necessárias para subsidiar o julgamento é uma limitação da liberdade de investir a partir dos critérios que as pessoas acham mais importantes. Isso me faz pensar que só tem autonomia no mundo dos investimentos quem tem condições de pagar por ela.
Se no capitalismo o mercado é o mocinho, em geral, o Estado é o vilão. Mas em uma democracia, o Estado é obrigado a prestar contas do que é gasto com o dinheiro público, justamente porque esse dinheiro é dos cidadãos e deve ser utilizado para viabilização de serviços públicos, seja por meio de investimentos públicos, seja por meio da garantia de estrutura para que os serviços sejam implementados. E os cidadãos podem saber como está sendo o dinheiro público, e como exemplo disso, temos o portal da transparência. No mundo dos investimentos privados, mesmo o dinheiro sendo do cliente, não é dado ao cliente o direito de saber o que é feito com seu dinheiro. Fica feio para o lado do mercado nessa comparação...
Podemos dizer que o mercado é mais eficiente, é mais inovador, é mais ágil, mas essa experiência me mostra que o mercado não é nem um pouco democrático. E olha que estou considerando um conceito bem minimalista de democracia, voltado para o poder do usuário de interferir no destino do que é feito com os seus recursos. Essa falta de transparência dos itens das carteiras dos fundos é um prejuízo para a possibilidade de controle dos fundos pelos seus quotistas, sendo que um quotista teria, pelo menos na teoria, o poder de opinar sobre a gestão do fundo.
Quando se fala em ASG, um dos critérios é o da Governança. Em geral esse critério tem a ver com a composição dos conselhos de uma empresa, relação com os acionistas minoritários, entre outros. Não se questiona a prática dos gestores dos fundos de restringir o acesso à informação sobre suas carteiras, que limita a capacidade do investidor de questionar a gestão do fundo. A transparência é cobrada para as empresas, mas nada se comenta sobre os produtos financeiros oferecidos aos clientes.
Além disso, somente com a possibilidade de se questionar a estratégia ASG dos fundos é que se pode ter certeza de que essa estratégia está, de fato, direcionando recursos para negócios com práticas sustentáveis e socialmente justas. É necessário que os fundos ASG tenham sua estratégia ASG auditável pelos seus quotistas e pelo público em geral, de forma a identificar possíveis contradições e direcionamentos de recursos para áreas que não deveriam estar recebendo.
A partir dessa experiência, só consigo pensar que os investimentos ASG só deixarão de ser moda e passarão a ser realidade concreta quando se abrirem para o escrutínio dos seus investidores e do público, que poderão questionar por que determinadas empresas compõem a carteira do fundo e exigir respostas consistentes dos gestores dos fundos.
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