Imagino que o sonho de todo negócio de impacto social é tornar-se escalável para gerar impacto real e mensurável. Além disso, dizem, negócios escaláveis são aquilo que os investidores procuram; assim, ter um modelo de negócio escalável seria uma forma de viabilizar a sustentabilidade da própria empresa.
Pensando nisso, relatar uma experiência que gera impacto social em grande escala pode ser de grande utilidade para pensar os desafios de se realizar uma ação com esse propósito. Mas a experiência escolhida não é um negócio, mas, sim, uma política pública, que foi escolhida propositadamente para tornar mais explícitos os dilemas com os quais os negócios que buscam contribuir para resolver problemas sociais precisam lidar. A experiência escolhida é o Programa Bolsa Família, o maior programa de transferência de renda do mundo. Sua importância se dá, pois, em um período de menos de 20 anos, conseguiu tirar grande parte da população brasileira da situação de pobreza extrema.
Oriundo da fusão de programas de transferência de renda anteriores, o primeiro desafio que precisou enfrentar era referente a tecnologia. O Cadastro Único para Programas Sociais, registro de famílias que identificava os possíveis beneficiários ao programa, apresentava várias deficiências. Existiam famílias duplicadas, excluídas e, sempre que uma família mudava de município, era necessário excluí-la para depois incluí-la novamente. Imagine quantos problemas isso causava!
Nesse sentido, a solução para as dificuldades que o programa enfrentava parecia a que, em geral, é preconizada para escalar negócios de impacto: melhorar a tecnologia envolvida. E isso foi feito: auditorias regulares na base do Cadastro Único passaram a ser feitas, assim como melhorias contínuas no sistema de cadastramento.
Feitas essas auditorias, contudo, a solução não mais poderia ser tecnológica. Com uma equipe que nunca foi composta por muito mais do que 100 funcionários, a Secretaria responsável pela gestão do programa não tinha estrutura para chegar a cada pessoa que registrava a família e orientar como isso deveria ser feito. Para resolver esse problema, foram feitas pactuações com Estados e Municípios, dividindo tarefas e criando um esforço conjunto para que as famílias pudessem receber o benefício.
Essa força-tarefa, contudo, não foi um ato de altruísmo dos Estados e Municípios. O Governo Federal passou a transferir recursos para que estes pudessem realizar suas atividades adequadamente. E foi somente a partir da construção dessa estrutura que o Programa Bolsa família conseguiu ter escala e gerar impacto mensurável na vida de milhões de pessoas.
O Auxílio Emergencial, que vem garantindo a sobrevivência de milhões de pessoas durante a pandemia de Covid-19, foi construído em cima da estrutura desenvolvida para gerir o Programa Bolsa Família. O próprio aplicativo de solicitação do auxílio só foi viável porque as discussões sobre o futuro do Cadastro Único para Programas Sociais já apontavam para a possibilidade do autocadastramento e da integração automática com os registros da Previdência Social e do mercado formal de trabalho. Contudo, todo o arranjo cooperativo entre Governo Federal, Estados e Municípios foi jogado fora. Resultado: quem mais precisava do auxílio foi quem mais demorou a receber, porque não tinha acesso à internet ou a um telefone celular. Ainda: não foi previsto qual seria o papel de Estados e Municípios no apoio às pessoas que se encontravam em situação de vulnerabilidade social.
O que essa experiência tem a nos ensinar? Em primeiro lugar, nos mostra que, embora a tecnologia seja importante, ela é insuficiente para dar escala e capilaridade a iniciativas que buscam gerar impacto social. Chegar às pessoas mais vulneráveis exige esforço humano e isso tecnologia nenhuma pode substituir.
E é a promoção da cooperação que viabiliza esse esforço. Entretanto, a mobilização de pessoas que chegam a quem mais precisa exige recursos, e não são poucos. São trabalhadores, estruturas de atendimento e conhecimento técnico sobre como interagir com o público da melhor forma possível.
Por meio desse exemplo, é possível inferir que as iniciativas que têm o objetivo de gerar impacto social em grande escala, mais do que criar uma estrutura tecnológica robusta e tornar-se competitivo, precisam aprender a cooperar. É necessário, identificar quem pode contribuir no alcance dos objetivos pretendidos e dar condições para que esses parceiros possam realizar o seu trabalho da melhor forma possível. Somente a partir desse esforço coletivo será possível gerar transformação social.
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