Investimentos de impacto são aqueles que, para além de retorno financeiro, buscam contribuir para solucionar algum problema social ou ambiental. E um dos problemas sociais mais urgentes é a desigualdade social. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e não vemos muitas ações sendo feitas ultimamente para reverter esse quadro. Então, que sonho seria um investimento que, além de retorno, pudesse trazer soluções para esse problema? Será eu esse investimento é possível? Em que condições esse investimento seria possível?
Em primeiro lugar é importante considerar que desigualdades sociais é um termo muito amplo. Desigualdades de quê? De renda? De condições e oportunidades? De acesso a serviços de educação, saúde, saneamento etc? Vamos começar pelo final...
Se a gente pensa que os investimentos de impacto podem ajudar a promover maior igualdade no acesso a serviços como de educação, saúde e saneamento básico, por exemplo, estamos colocando uma tarefa que primordialmente seria do Estado nas mãos do mercado. As vezes o Estado pode ser bem burocrático e devagar na apresentação de soluções eficazes para os problemas que precisam ser resolvidos. Mas passar a responsabilidade para o mercado é a melhor solução? Como o mercado vai garantir universalidade de acesso? Um negócio voltado para a provisão de serviços de saúde, educação e saneamento, por exemplo, para dar retorno para seus investidores, precisa ter lucros, e a custas de quem seria alcançado esse lucro? E como garantir que não haveria uma oferta estratificada, disponibilizando melhores serviços a quem tem mais condições de pagar por eles?
Podemos então não pensar em universalidade de acesso, mas popularização do acesso, desenvolver serviços de baixo custo para serem oferecidos à população de baixa renda. Mas então, nesse caso, o desafio seria fazer com que esses negócios se integrem aos serviços públicos e impedir que eles concorram, em termos de recursos, com políticas públicas universais. O caso clássico seria a oferta de serviços de saúde, que conta com incentivos fiscais. Isso significa que a conta da saúde privada não sai só do bolso do contratante do serviço, mas também do Estado, que deixa de investir em saúde pública. Assim, mesmo que a população com poucos recursos tenha acesso a mais e melhores serviços, isso seria feito a partir da diminuição do investimento em saúde pública, disponível a todos, inclusive a quem não tem recurso nenhum.
Agora pensando em contribuir para a promoção da diminuição das desigualdades de condições e oportunidades, talvez essa seja a principal potência dos investimentos de impacto. Muitos desses investimentos têm se debruçado no desenvolvimento de soluções financeiras mais justas para a população de baixa renda, até mesmo desbancarizada. São iniciativas que realizam microcrédito (produtivo ou não) para essa população, oferecendo taxas de juros mais vantajosos e com práticas de cobrança menos ostensivas. Considerando o contexto atual, em que as pessoas estão cada vez mais dependendo do empreendedorismo para ganhar a vida, e pessoas de baixa renda tem pouco acesso à crédito em condições justas, esses negócios teriam um potencial de ofertar mais oportunidades para que as pessoas rompam com o ciclo de pobreza.
Por último, pensando em diminuir as desigualdades de renda, ah... esse objetivo eu acho bem difícil os investimentos de impacto ajudarem a solucionar! Mas pode ser que eu esteja errada... só o tempo e muito monitoramento de impacto irá dizer.
Acompanhem comigo o raciocínio! Para pensar em igualdade de renda precisamos pensar nas duas pontas da relação, os pobres e os ricos. Quando pensamos em investimentos de impacto, uma das coisas que tem se enfatizado em vários momentos é o potencial gerador de retorno financeiro dessa modalidade. Quando se pensa em fundos de participação acionária (Venture Capital e Private Equity), não só é necessário ter lucro como é necessário ter um lucro tão grande que justifique a venda a um negócio maior para que o investimento tenha liquidez. Nessas condições é bem provável que, se quem recebeu o investimento conseguiu crescer, quem investiu conseguiu crescer muito mais, ou seja, subiu um degrau a mais na pirâmide social! Esse descompasso só não ocorreria se os benefícios gerados pelos negócios investidos fossem tão grandes que superassem o aumento da renda dos investidores. Nesse caso, é necessário fazer as contas e realmente mensurar se o impacto gerado é grande o suficiente que resolver essa equação.
Quando se pensa em crédito, podemos procurar investimentos que busquem retorno suficiente para preservar o capital, sem buscar lucros exorbitantes. Nesse caso, a equação pode se resolver mais facilmente. Haveria aumento de renda em um lado da equação, mas o lado do investidor, naturalmente mais rico permaneceria estável ou ganharia pouco. Negócios que lidam com crédito a pequenas e médias empresas ou com microcrédito produtivo, por exemplo, poderiam ter esse potencial caso o crédito dado ao negócio ou à pessoa viabilize um real e perene incremento de renda dos afetados.
Como utilizei iniciativas voltadas para o microcrédito como exemplo, acho importante fazer um parêntese. Microcrédito são ações que, se mal geridas, podem causar mais mal do que bem. Endividar pessoas que mal conseguem seus próprios meios de subsistência pode ser um tiro no pé. Nesse sentido, é importante que o microcrédito seja orientado, auxiliando as pessoas a gerirem esse recurso com a finalidade de que ele produza alguma riqueza, e não dívidas. Nesse caso, existe um custo adicional do investimento, quem nem sempre será o investidor que estará disposto a arcar. Em geral esse custo vem da filantropia ou do Estado, por meio de políticas públicas de assessoramento técnico, fundações, bancos de desenvolvimento etc. A questão da filantropia fica para outro post, mas como vocês podem ver, de novo, contamos com a presença do Estado...
O que podemos concluir é que é uma ambição muito grande para os investimentos de impacto tentar contribuir para diminuir as desigualdades sociais. Confiar nesse tipo de investimento isoladamente é ingenuidade, visto que dependendo da forma como são organizados, podem gerar mais desequilíbrios do que benefícios. Buscar altos retornos financeiros a qualquer custo pode perverter o objetivo almejado, visto que remunera mais quem já tem recursos, o que torna difícil resolver a equação.
Dar de costas para o Estado, achando que o mercado resolve tudo pode dificultar a universalização de serviços, ou promover a oferta de serviços de pior qualidade para quem tem menos condições de pagar por eles. Melhor seria atuar de forma cooperativa com o Estado, trabalhando para facilitar a oferta ao Estado de soluções efetivas para que ele disponibilize à população. É um desafio e tanto, mas se queremos resolver problemas reais, precisamos aceitá-lo!
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